CAPÍTULO II


Moçambique 1964/76 .. cont. 

Capítulo II

Cumprido o Serviço Militar, Regressei a Lourenço Marques ( Maputo), em 1971.

Quando voltei para Lourenço Marques - Maputo em Agosto de 1971, após ter cumprido 2 anos de comissão em Porto Amélia e várias missões em Cabo Delgado, integrei-me na equipa da SOMAR FILMES e FILMLAB, do Courinha Ramos e Eurico Ferreira, ambos falecidos.
Courinha Ramos, com o seu inconfundível cachimbo, falecido em Lisboa no ano de 2000.
                                                    
Para a Somar Filmes, entre vários Visores Moçambicanos , Desportivos e Documentários, coproduzi também. um documentário na BEIRA sobre as Miss Moçambique de 1972, no qual foi eleita a bela ÍRIS MARIA , que conheci em Porto Amélia em 1969/1971, bem como o seu pai.
Posteriormente a Íris Maria , foi eleita também Miss Portugal 1972 em Lisboa.


Produzi, realizei , sonorizei e fiz a fotografia de vários documentários, entre eles : A Cidade da Beira ; As Plantações de Chá em Manica ; As Represas no Sul de Moçambique ; A Ilha de Moçambique ; Tete, Songo e a Barragem de Cahora Bassa em 1971, entre outros.

Fizeram a Locução dos documentários que produzi e realizei, os locutores do Rádio Clube de Moçambique de então: Fernando Ferreira ; Fernando Rebelo; António Luís Rafael , entre outros.

Porém, certo dia, o Courinha Ramos informou-me que um amigo da sua família , viria ter comigo para fazer um teste de locução. Num dia à tarde apareceu na Somar Filmes um rapaz bem parecido, de poucas palavras , o qual aparentava ter 25 a 26 anos.
Cumprimentámo-nos e ele disse ao que vinha, pelo que fiquei logo a saber que era o amigo da família Courinha Ramos.
Fizemos um teste de locução , tendo eu ficado com boa impressão quanto ao timbre da sua voz e dicção.
Mais tarde, o Courinha Ramos ouviu também a gravação e gostou muito da voz .

Infelizmente, não me recordo agora porque razão, o pretendente a locutor/narrador de documentários, nunca fora chamado.
O nome desse ainda rapaz na altura e que conheci em LM ( Maputo) em 1972,  é hoje um nome muito conhecido do público português, como apresentador e crítico desportivo da RTP . Trata-se de Gabriel Alves.

Gabriel Alves (2010)
                                                                               

Em 1972 e em LM (Maputo),dei uma entrevista à revista A Plateia de Lisboa , juntamente com Lopes Barbosa que trabalhava comigo na Somar Filmes e, Rui Marote da Telecine-Moro, com o título: " Os três Cineastas de Moçambique".

O Courinha Ramos e a esposa Maria Cecília, foram os meus padrinhos do meu primeiro casamento, em 1972 em Lourenço Marques (Maputo). Nesse ano em Novembro nasceu a minha filha Lara Cristina, a qual casou com um espanhol de nome Luís , vivem e trabalham atualmente em Madrid . Desta minha filha já tenho dois netinhos ; o Luís e o Rodrigo, isto em 2010.

Eurico Ferreira, falecido em Macau em 2009

Muito me relacionei com toda a informação Moçambicana na altura e aprendi muito com todos eles: desde Jornalistas ( destacando o incontornável Guilherme de Melo), Cartaxo e outros;  Locutores da Rádio, como o Fernando Rebelo, António Luís Rafael , Fernando Ferreira etc ; fotógrafos de foto- jornalismo, a destacar o Carlos Alberto; Operadores de Câmara e outros  Cineastas ; Cançonetistas e alguns atores Portugueses que se deslocavam a Moçambique, como foi o caso do cantor romântico Tony de Matos já falecido, o qual em 1972 proporcionou um belo espetáculo no cinema Dica de LM (Maputo), cuja minha filmagem foi integrada no Visor Moçambicano.

                                                             Guilherme José de Melo

António Luis Rafael, o locutor preferido do 
Courinha Ramos, desde o início.

Mais tarde no Parque Mayer em Lisboa, voltei a encontrar o Tony de Matos, o qual almoçava por vezes naquele Parque, nos finais dos anos setenta e oitenta, até à data do seu falecimento em 1989.

Em Lourenço Marques ( Maputo) naquele tempo já havia algumas pessoas a trabalharem em Cinema , em Documentários .

As "Atualidades de Moçambique", produzidas e Realizadas por António Melo Pereira, eram a PB 35mm e com a duração habitual de 10 minutos. Este documentário, na altura já era revelado com equipamento que o Melo Pereira comprara em segunda mão na Rep. da África do Sul e, instalara na Av. da República, no 8º andar de um prédio que ficava junto ao Teatro/Cinema Avenida. As "Atualidades de Moçambique" eram subsidiadas pelo CIT - Centro de Informação e Turismo de Moçambique e, só faziam reportagens de acontecimentos relacionados com o Governo Geral de Moçambique ( por isso alcunhámos este Cine-Jornal de Corta-Fitas).

As "Atualidades de Moçambique" estavam limitadas àquele tipo de trabalho.

O meu amigo Luís Beja da Beja Filmes, só produzia documentários a cores, revelados principalmente na Rodésia de então, hoje Zimbabwe, documentários aqueles de divulgação comercial de empresas e outros como a Gorongoza, documentário que marcou a Beja Filmes pela positiva.
A Telecine-Moro , com sede em Lisboa, tinha uma delegação em L.Marques (Maputo) e dedicava-se mais à reportagem de acontecimentos políticos, os quais mandava depois para Lisboa. Na altura era Diretor da Telecine - Moro - Moçambique, o Augusto Santos.

Por último havia o Visor Moçambicano de Courinha Ramos, o qual foi o pioneiro do cinema em Moçambique, quase em paralelo com as Atualidades, de António de Melo Pereira, nos anos cinquenta e sessenta.
Por tal facto concluo que, o António Melo Pereira , Luiz Beja, eu Fernando Brum Morgado e o Courinha Ramos, todos fizemos parte da equipa de cineastas pioneiros do cinema - reportagem e documental em Moçambique.

Link do Genérico do Visor Moçambicano de 1973.

http://www.youtube.com/watch?v=e-MDnebAgVM


Em 1964, tanto eu como o Luiz Beja, dávamos os primeiros passos no documentarismo Moçambicano a seguir ao Courinha Ramos, que se iniciara nos anos (50) cinquenta , com uma máquina de 16 mm e, mais tarde, com uma Arriflex de 35 mm. O Melo Pereira , salvo erro, iniciou-se nos anos sessenta, julgo eu.

Dessa equipa, infelizmente já todos faleceram, restando eu apenas.

Por este facto, Guido Convents , historiador do cinema africano, de nacionalidade Belga/Flamenga, que colaborava desde 2001 na - Signis-Associação Católica Mundial para a Comunicação, como Historiador, Jornalista e especialista em Cinema, a qual está sediada em Bruxelas, disse-me que era minha obrigação, como único cineasta vivo do grupo acima mencionado , de comentar o período de 1964 a 1976 , sobre o cinema no Moçambique Colonial, chamado hoje de Cinema Luso-Moçambicano.
Estou a seguir o conselho de Guido Convents , ao alargar este Blog, com algo mais sobre o cinema Luso-Moçambicano e seus intervenientes 
.
  Guido Convents numa palestra no Áfrika Film Festival
                                                   


Será bom recordar que o Visor Moçambicano, não tinha qualquer ligação ou compromisso com as entidades Coloniais de Moçambique, sendo um Jornal de Actualidades livre e Independente, focando os acontecimentos não políticos em 90 %, apresentando alguns acontecimentos políticos mais importantes, para ir agradando aos políticos do Governo Colonial Moçambicano e CIT de então.
Em 1972, propus ao Courinha Ramos e após ele me ter oferecido 10% na Sociedade, modificar o Visor Moçambicano, inserindo outros temas no mesmo ( temas não políticos), de forma que aquele Cine-Jornal pudesse ter uma projeção mais Global, como acontecia com o Cine- Jornal ( exibido nos cinemas de Moçambique a partir de 1971), da produtora Alemã " Dier Spiegel" , narrado por um locutor Brasileiro e que se intitulava " Assim Vai o Mundo", bastante popular em todo o Mundo.

Quanto a mim, os temas abordados no Visor Moçambicano, estavam desgastados e inadequados para a época. Desde o início do Visor Moçambicano nos anos sessenta, que este não sofria qualquer alteração ou inovação, o mesmo estava estagnado e parado no tempo. Por isso a minha vontade de modificar e projetar aquele Cine-Jornal para o Mundo, inserindo outros temas, assim como acontecia em parte, com o Cine-Jornal da Spiegel.

Na minha ótica havia muitos temas em Moçambique, não políticos, que podíamos explorar e valorizar o Visor Moçambicano e Moçambique, que após a governação de Baltazar Rebelo de Sousa, sofrera grandes modificações políticas, apesar de contestadas pelos mais conservadores de Lisboa.

Não tive um não do Courinha Ramos, mas sim um desinteresse pela inovação do cinema Moçambicano de então, nomeadamente no sector que me interessava e já descrito.
Por outro lado, não me agradava a confusão que havia na moradia da J. Serrão, onde funcionavam a Somar Filmes de Courinha Ramos e, a Filmlab de Courinha Ramos, Eurico Ferreira e Fernando Ramos. Por vezes eu próprio não sabia se estava na Somar Filmes ou na Filmlab . Mas, o Courinha Ramos não se importava com isso. Ele queria era fazer filmes , consertar as Arriflex e fumar o seu cachimbo ou charuto.

A impassibilidade do Courinha Ramos, embora fosse muito comum à sua pessoa, a certas anomalias e incompatibilidade de feitios e ideias , em relação ao Eurico Ferreira, mas nunca contestada pelo próprio Courinha Ramos, também não me agradava. Também por tal facto, preferi sair da Somar Filmes/Filmlab, para continuar como amigo do Courinha e Eurico.

O Eurico Ferreira, só conheci em 1971, quando retornei à Somar Filmes, vindo de P. Amélia (Pemba) após ter estado no exército como repórter foto-cine. Eurico Ferreira que viera de Macau, trabalhara como controlador aéreo na DETA ( transportes aéreos de Moçambique na altura). Segundo me contou o próprio Eurico, fizera cinema em Macau.

Do que conheci de Eurico Ferreira, era um técnico de mão cheia. Tinha jeito e talento para tudo o que era eletrónica e mecânica aplicada ao Cinema, além de ser um pintor de cartazes de grande dimensão para aplicar nas fachadas dos cinemas, publicidade exterior que se usava na altura.
Entretanto, nos anos de 1970 a 1973, foram produzidas as três (3) primeiras longas metragens, produzidas totalmente por duas empresas de Moçambique, a Somar Filmes e Filmlab, tais como: "O Zé do Burro", com o Actor português José Bandeira ; "O explicador de Matemática" e "Deixem-me ao menos Subir às Palmeiras" , este último realizado por Lopes Barbosa e produção da Somar Filmes - Courinha Ramos.

Estava eu muito ocupado a produzir e realizar documentários , o Visor Moçambicano e Desportivo, enquanto a restante equipa se ocupava das longas metragens acima mencionadas, pelo que, não tive na altura qualquer intervenção nas mesmas. Mas, concluí que, apesar da vontade de todos os intervenientes ser muita, os guiões, os meios cinematográficos, a maior parte dos atores , a fotografia aliada às técnicas de iluminação e captação de som, retirando a prestação do ator português José Bandeira, as produções mencionadas eram no conjunto, de qualidade média-baixa.
Por tal facto e no meu ver, não deixava de ser uma aventura cinematográfica, do tipo Courinha Ramos, o qual , sem olhar a meios, apadrinhava sem pestanejar, produções cinematográficas deste tipo e não outras, como a modificação e projeção do documentarismo Moçambicano da altura, pois era essa a missão e vocação concreta da Somar Filmes.

No entanto, e visto de outra perspetiva , foi de louvar o facto de se ter feito alguma coisa nesse domínio da produção e realização cinematográfica, a qual mesmo de qualidade inferior, não deixou de ser um marco importante para a história do cinema em Moçambique do tempo colonial.
O Filme "Deixem-me ao menos Subir às Palmeiras" de Lopes Barbosa, (1972), foi um filme polémico , com uma forte carga política , a qual não interessava ao regime Colonial de então, tendo sido proibida a sua exibição pela Censura ( ou melhor pela PIDE-DGS).

 Lopes Barbosa
  
Segundo a opinião de Lopes Barbosa, o nome de Courinha Ramos é que salvou a equipa de produção e realização do filme, de não ter tido graves consequências políticas com o regime Colonial e PIDE-DGS , mas, quanto a mim, foi o nome do Pintor Malangatana, que estava envolvido no projeto como ator e não só, que atenuou a progressão da PIDE-DGS, contra a equipa de produção e realização do filme.

Malangatana, já na altura era uma figura conceituada e, o Governador Baltazar Rebelo de Sousa, viera de certa forma alterar a política colonial em Moçambique, (como já destaquei acima) com a sua abertura governativa e de relacionamento, ao povo anónimo de todas as raças e credos, situação que felizmente, veio dar certa notoriedade e afirmação a Malangatana e outros.
O filme de Lopes Barbosa, foi pena não ter sido produzido após a independência de Moçambique, o qual tinha tido certamente outro impacto, junto da comunidade Moçambicana e de outras em África.

                                                        Malangatana, pintor plástico Moçambicano.                                                         

Por falar no pintor Moçambicano Malangatana, já falecido, não é demais aqui dizer que fiz algumas reportagens para o Visor Moçambicano, entre 1971 e até meados de 1973, sobre exposições de pinturas suas , efetuadas na galeria da Cooperativa das Casas, junto ao cinema Dica em LM - Maputo.


Duas belas pinturas de Malangatana

Com o falecimento de Malangatana, que tive o prazer de conhecer pessoalmenteMoçambique perdeu um grande artista e um ser humano  de grande valor, que projetou Moçambique no mundo das artes, desde o período Colonial . Mas, este grande pintor, ficará para sempre ligado à cultura e às artes de Moçambique.



FIM DO CAPÍTULO  II- Moçambique 1953/1976. Os meus agradecimentos pela leitura deste Capítulo.

Fernando Brum 

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